À deriva

Francisco Sacco Teixeira
3 min readMar 16, 2021

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O móvel que construí na aula de marcenaria é uma sapateira com acento de madeira, e estrutura feita de MDF branco. Ela está dentro da oficina onde foi construída na frente de uma parede repleta de ferramentas.

Começo esse texto sem ter uma ideia muito clara de onde quero chegar, se não, sair da inércia. Há tempos tenho como objetivo de ano novo escrever mais. Escrever sobre a minha profissão, sobre o modo e as formas que vejo o mundo, escrever como encaro os desafios profissionais, os sucessos e as frustrações. Sim, frustrações, porque nem tudo são flores. Escrever sobre o impacto da tecnologia na nossas vidas e o impacto das nossas vidas na tecnologia.

“À deriva” foi uma expressão que a minha companheira comentou nesta última semana (que já faz algum tempo agora, pois esse texto ficou incubado até a publicação), quando ela começou a fazer aula de cerâmica. A professora dela comentou que “a deriva” é um método que muitos artistas utilizam para se deixar capturar, e assim criar, pintar, atuar, inovar. A professora utilizou essa expressão, pois muitas vezes no seu atelier ela começa uma peça sem saber qual será a sua forma.

Diferente da Bruna, ano passado, fiz um curso de marcenaria, que é totalmente diferente da cerâmica. Aqui, é necessário ter uma ideia muito clara do que se quer construir. É preciso desenhar, pensar em escala, textura, materiais, cores e formas. Talvez seja necessário utilizar até algum software de modelagem para ter a visão em perspectiva. Será necessário encontrar o contato de fornecedores, fazer o orçamento de materiais. Aguardar a entrega e colocar a mão na massa, quer dizer na madeira.

Durante o curso eu revisitei alguns momentos da minha vida. Lembrei de quando era criança e brincava de lego, porque os encaixes são muito importantes durante o projeto.

Lembrei do meu pai, que sempre gostou de construir coisas, do cheiro da serragem, e do trabalho em par que ele me fez entender e gostar, sempre quando ele me convidava/convocava para alguma manutenção de casa ou invenção dele.

Lembrei dos desenhos técnicos do curso técnico de comunicação visual que fiz, concomitante ao ensino médio. Na importância de pensar na escala, proporção dos elementos que estão envolvidos em um projeto, desde o briefing até o deadline.

A marcenaria me fez afirmar que um projeto independente de qual for, precisa de planejamento para ser executado, e que na maioria das vezes é necessário ter ferramentas para executá-los. Podem ser pessoas, softwares, ferramentas propriamente ditas (martelo, chave de fenda), ou tudo isso ou misturado.

Refletindo um pouco mais a fundo, não vejo marcenaria e cerâmica como algo divergente, mas complementares. Penso que ambas podem e devem muito bem coexistir e se complementar (por que não unir as duas abordagens). Esse texto, apenas, metaforicamente traz uma visão muito restrita da minha experiência, mas que para mim abstrai muito a ideia do desenvolvimento de software.

O que eu quero dizer é que a liberdade de começar algo sem saber onde quer chegar permite você ir lá e fazer, sem muito medo de errar, ou sabendo que se errar ta tudo bem também. Planejar demasiadamente, as vezes, apenas complica, não engaja e não traz um sentimento que para mim é sensacional: progresso, ou melhor aquele famoso check em uma lista de tarefas, ou ainda para quem trabalha com Kanban o famoso arrastar do card de Doing para Done.

E para finalizar esse texto, compartilho o medo de ser mais do mesmo, embora também fico feliz de enfrentá-lo e aceitá-lo. Dar o cara a tapa e criar o hábito da consistência da escrita, do estudo e principalmente da prática de simplesmente se aceitar.

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